Acordo de Leniência

Spread the love

Dentro da onda recente de investigações de políticos e grandes empresários, incluindo a prisão de vários deles, alguns termos jurídicos passaram a fazer parte do nosso cotidiano, como Acordo de Leniência e delação premiada (ou colaboração premiada).

Ambos são instrumentos legais que visam facilitar o andamento das investigações e coleta de eventuais provas, concedendo alguns benefícios ao indiciado disposto a fazer um acordo. Em geral, diminuição da pena, ou mais especificamente, no caso do acordo de leniência, o estabelecimento de multas e sanções mais brandas do que a lei permite.

significado de acordo de leniencia

Leniência, segundo nosso dicionário, é suavidade, ou seja a qualidade de alguém leniente é sua agradabilidade, mansidão e, talvez, sua lentidão, dependendo do contexto. O termo jurídico tem mais a ver com o primeiro sinônimo: a suavidade no que diz respeito às punições, como temos visto em alguns casos recentes.

Isso explica o que é lenidade, mas, não exatamente o que é e como funciona este acordo específico. Portanto, como de hábito, vamos primeiro ver a ideia geral, amparada pela lei brasileira, para depois entrarmos em exemplos cotidianos que nos ajudarão a entender melhor a questão.

O que é Acordo de Leniência?

De imediato, é preciso dizer que este tipo de acordo é específico para pessoas jurídicas, no que tange à responsabilidade administrativa e civil, como está claro no texto da lei 12846 de 2013, o que também indica o quanto a lei é recente.

A possibilidade de acordos deste tipo foi criada a partir da inspiração no modelo de condução investigativa dos Estados Unidos, abrangendo qualquer pessoa jurídica e sendo aplicável:

“[…] às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.”

A restrição fica por conta dos tipos de crimes praticados, essencialmente, inclui atos lesivos:

1. Contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro.

2. Contra os princípios da administração pública.

3. Contra os acordos internacionais assumidos pelo Brasil.

Assim, definimos para quem e em quais casos o conceito de acordo de leniência pode ser aplicado. Mas falta entendermos as exigências e possíveis benefícios que podem ser demandados e concedidos às entidades jurídicas envolvidas em atos de corrupção.

Exigências legais e vantagens do Acordo de Leniência

Para que possa se enquadrar na base jurídica dos acordos de leniência, como referida anteriormente, também existem duas exigências essenciais para as entidades envolvidas em ilícitos contra o bem público: a identificação de outros envolvidos, quando for o caso; e o pronto atendimento às solicitações de provas e informações complementares por parte da justiça.

Em outras palavras, a pessoa jurídica abre mão de qualquer direito que possa ter ao silêncio ou omissão seletiva de informações, ao menos em teoria, já que se trata de algo difícil de verificar na prática. Mas, também há outros três compromissos a serem observados:

1. A iniciativa de cooperação com as investigação deve partir da pessoa jurídica.

2. A partir do momento da proposta de colaboração, todos os atos ilícitos devem deixar de ocorrer.

3. Admissão do envolvimento nos atos ilícitos e colaboração irrestrita, sob sua responsabilidade financeira, até o final do processo.

Em suma, a empresa confessa o ilícito, deixa de cometê-lo e se compromete a atender todas as exigências da autoridade pública responsável pelo acordo, se colocando à inteira disposição da justiça. Estes itens são cumulativos, ou seja, é necessário cumprir os três requisitos para fazer jus ao acordo.

Finalmente, cumpridos os pontos acima, temos os possíveis benefícios concedidos à entidade. O principal deles diz respeito às punições aplicáveis. A empresa continua tendo a obrigação de devolver os valores conseguidos através do crime, mas volta a poder contar com empréstimos, subsídios, doações e incentivos financeiros de instituições do poder público.

Para completar o benefício principal, a empresa ainda pode ter o valor das multas decorrentes, reduzido em dois terços do total a critério da justiça. Encerrando este artigo, também são descritas mais cinco orientações legais:

1. Quando firmado o acordo com um grupo econômico, todas as empresas do mesmo passam a contar com os benefícios, desde que cumpram as exigências citadas anteriormente.

2. O acordo só será tornado público quando já estiver efetivado (acordado entre as partes).

3. Se a empresa recusar o acordo por qualquer motivo, não será considerado como confissão de culpa.

4. Caso não cumpra com as exigências, após firmar o acordo, a empresa fica impedida de celebrar novos acordos por três anos.

5. Uma vez assinado o acordo de leniência, os crimes praticados deixam de ter prazo para prescrição, isto é, não “caducam”, na linguagem popular.

Assim, finalmente cobrimos as regras e, portanto, podemos partir para os exemplos atuais em que foram celebrados acordos deste tipo, comparando a prática com as determinações do texto legal.

Acordo de Leniência e lei anticorrupção: a prática do poder público

Os acordos de leniência são apenas uma parte da chamada lei anticorrupção (a já citada lei 12846 de 2013), que visava definir especificamente os tipos e possíveis responsabilidades dos crimes contra o bem público, conforme explicamos acima.

Embora tenha sido considerada como um grande avanço no combate às práticas ilícitas neste âmbito, sua aplicação ainda é muito questionada, tanto pela população, que pode entender a justiça como muito branda – quando concede benefícios demasiados – quanto pelos próprios juristas, uma vez que se trata de lei recente e, talvez, ainda distante do ideal.

O que deixa isso claro são as diferenças entre dois acordos envolvendo duas das maiores empresas brasileiras, envolvidas nos esquemas de corrupção atualmente em investigação: Odebrecht e J&F. Vamos ver, um de cada vez, comparando com o que já descobrimos sobre a previsão legal.

Acordo de Leniência da Odebrecht: aparentemente implacável

O acordo com a empreiteira baiana foi assinado no final de 2016, pelo Ministério Público do Paraná, sendo homologado pelo juiz Sérgio Moro em 2017. Em princípio, seguiu as recomendações legais, envolvendo apenas a liberação de acesso a incentivos e empréstimos públicos, com abrandamento das multas, em troca da colaboração irrestrita da empresa.

Até aí, não há muito que ser discutido. O fato estranho fica por conta das circunstâncias da assinatura, afinal, é discutível que a empresa tenha “tomado a iniciativa” de propor o acordo, já que para chegar neste ponto foram necessários muitos meses de prisão dos seus executivos e sanções diversas à empresa.

Do ponto de vista da população, isto pode ter pouca importância, afinal, uma empresa corrupta tem de pagar por seus atos e a forma como isso acontece não tem grande significado. Porém, em termos estritamente processuais, dependendo do caso, pode ocorrer de empresas terem seus executivos presos sem provas, apenas com base em indícios, com o fim de forçar a delação e eventual acordo. O que contraria o princípio legal.

Estes pontos são fundamentais para entender a diferença em relação ao segundo exemplo, que veremos a seguir, referente ao acordo de leniência da JBS, uma das empresas do grupo J&F, mais conhecido pela população pelo nome de uma de suas controladas: a Friboi.

Acordo de Leniência da J&F: aparentemente generoso

A primeira grande diferença a ser destacada se encontra no fato de que, apesar de já haver uma investigação em curso, nenhum dos principais executivos da J&F estava preso quando a empresa resolveu procurar o Ministério Público Federal, visando firmar acordos de colaboração e leniência.

Sendo assim, o critério da iniciativa de colaborar fica preenchido, apesar das investigações. Também é inegável que a empresa tenha apresentado algumas provas mais contundentes, envolvendo políticos importantes no cenário nacional, incluindo o próprio presidente da república.

Por outro lado, as críticas aos acordos firmados com o aval da PGR (Procuradoria-Geral da República), incluíam benefícios considerados excessivos por muitos brasileiros. Este é um aspecto inteiramente subjetivo, mas, no que diz respeito às sanções à empresa, as multas que poderiam chegar aos 40 bilhões de reais, foram definidas inicialmente em pouco mais de 10 bilhões.

Um número que ainda pode chegar aos 20 bilhões, conforme o resultado das investigações e processos em andamento. O problema está na liberdade dada aos irmãos Batista, donos da empresa, seus familiares e aos principais executivos. Basicamente, a garantia de não serem obrigados a usar tornozeleiras eletrônicas, ou serem presos e a liberdade para viajar ao exterior.

Porém, aí reside uma confusão comum, já que estes são benefícios concedidos as pessoas físicas, devido aos acordos de delação premiada, nada tendo a ver, em termos legais, com o acordo de leniência no âmbito da Lava Jato. Em muitos sentidos, isso se deve ao circo midiático montado em torno da operação desde o seu início.

Muito do que acontece no processo judicial e nas ações investigativas da força tarefa, é anunciado pela imprensa, meses antes de se tornar realidade. Manchetes como “Palocci delata Lula e os bancos” ou similares, não apenas estão especulando com informações tendenciosas, como muitas vezes não chegam a ocorrer de fato.

Pense em quantas vezes você já leu que o ex deputado federal Eduardo Cunha iria firmar acordo de delação premiada. Isso se arrasta por meses, independentemente de ter ou não base na realidade. Um mal de origem na formatação da Lava Jato, que sempre utilizou a mídia como ferramenta para angariar apoio popular, conforme a própria equipe já deixou claro em suas diversas entrevistas.